O meu sono das quintas

 A alvorada cá em casa é as 7:00 da manhã para fazer as coisas com alguma pachorrência ( palavra inventada agora, é gira no entanto, uma mistura entre pachorra e paciência e serve o propósito) , 7:20 se acaso acordo em negação; nesse caso, esses vinte minutos servem para maldizer a minha pouca sorte e inventar esquemas mais ou menos exequíveis para calar a consciência caso me resolva a adormecer novamente. Naturalmente, o meu ser responsável prevalece mas naqueles 20 minutos sinto-me quase uma revolucionaria subversiva.  
  A quinta-feira é um dia muito simpático para mim! Nem preciso ficar os vinte minutos a martirizar-me, levanto-me num ápice porque sei que, depois de os levar à escola, em 10 minutos estou em casa e tenho duas horas certinhas para dormir novamente. Nessa manhã o edredon fica num montinho, as almofadas vão para lá também para manter a cama quente; as calças de pijama vão passear até à escola, enfio um casaco mais ou menos a disfarçar, como se estivesse vestida de professora de educação física e calço uns ténis,  já experimentei ir de chinelos mas tenho algum receio que logo nessas ocasiões tenha um toque no carro ou outro imprevisto que me faça sair do  assento e ser apanhada nesta figura. Ainda passo pelo espelho e agora que cortei o cabelo e o cabeleireiro fez o favor de conseguir cortar-me cada fio de cabelo com um tamanho diferente dos restantes,  prego normalmente um cagaço quando me vejo. Autenticamente um ouriço humano, de cara inchada, olhos esbugalhados e as rugas vincadas nos cantos dos lábios. É nessas ocasiões que aparento a  idade que tenho, ou até mais. Fico momentaneamente esmorecida mas isso passa rapidamente. Com o andar do dia, as rugas da manhã esbatem-se e fico com um aspecto mais aceitável. Hoje quando saí de casa, a correr porque é assim que normalmente o pessoal cá em casa se locomove, eu e as minhas calças de pijama demos logo de caras com o nosso vizinho da frente que às 7:55 já se apresentava de cigarro no canto da beiça. Os meus bonecos do sponge bob viam-se ao longe mas o meu vizinho que é de uma discrição à prova de bala não pestanejou. Cumprimentou-me no seu estilo lacónico onde de vez em quando surgem uns sorrisos despropositados  em relação ao seu registo habitual, altura em que eleva o tom de voz e fica com um timbre ligeiramente histérico que me confunde e lá desceu o resto do caminho em direcção ao salão onde trabalha. Era com ele que deveria ter cortado o meu cabelo mas, na altura, como acontece quando decido uma coisa e tenho que a concretizar imediatamente, não havia vaga para esse dia pelo que marquei para o dia seguinte, certa já que não iria aguentar nem mais um pôr do sol. Assim, no final das aulas andei pela cidade, meia doida, alucinada à procura de um sitio onde me cortassem o cabelo, estou em crer que se não o encontrasse era mesmo eu que o faria, com a tesoura com que corto o pêlo aos cães. Encontrei e cortei e aplacada esta minha vontade lembrei-me o que seria quando o meu vizinho cabeleireiro descobrisse que o tinha traído. Resolvi esconder-me dele o maior tempo possível, se possível até o cabelo me dar pelas costas outra vez, sendo certo que corria grandes riscos, vivendo ele à minha frente e sendo umas das pessoas que, nesta cidade, por acaso, coincidência ou atracção inexplicável, vejo mais vezes. Como se veio a verificar um dia depois, foi uma ideia ingénua da minha parte a de que iria conseguir manter-me à distância, um dos meus cães resolveu fugir e sendo assim tive que me expor mais no perímetro quente da cidade e fui apanhada. Mal me viu soltou um gritinho estridente e deu-me os parabéns porque estava a gostar muito do meu novo look; gaguejei uma espécie de desculpa, disse-lhe que quando me dão aqueles repentes é como se fosse possuída por uma força ao qual não consigo resistir, fico fraquinha sem vontade própria.  Aquela justificação meia titubeante, não sei se pegou. No entanto se se ofendeu não o demonstrou porque continua a ser o vizinho quase invisível que não chateia mas que também não abre a boca para dizer algo mais do que o cumprimento rotineiro.
   Essas manhãs das quintas-feiras, quebrada a rotina semanal, são maravilhosas para mim, eu que odeio os horários formatados e principalmente porque adoro dormir; torna-se embaraçoso tantos louvores ao sono mas desde que descobri que se emagrece a dormir, sendo eu avessa ao exercício físico pela necessidade única de emagrecimento, decidi que dormir também é exercício físico e nesse departamento sou praticamente imbatível. E nem as manhãs de sábado ou de domingo sabem tão bem, saber que se tem a manhã toda para dormir tira-me a vontade, além do mais é manhã de Silveira e é certo que mais do que de dormir, gosto da Silveira. Aquele pequeno momento de quinta-feira que tem que ser bem gerido para render, é um dos meus momentos de felicidade semanal.

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