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A mostrar mensagens de outubro, 2018

O beijo da avó

   A minha mãe mandava-me beijar os avós. Quer dizer, a minha mãe não mandava, sabíamos que tínhamos de dar beijos aos avós. Mas não só aos avós, aos tios, padrinhos, primos e desconhecidos, tios dos primos dos padrinhos e amigos dos tios dos afilhados. Essa era uma tarefa da mãe, não do pai, não me lembro do pai dizer para beijar fulano ou sicrano. Devia ser uma competência de mãe, da minha mãe era. Quando íamos ao alentejo, à aldeia da minha mãe, no percurso a pé para a casa dos meus avós passávamos por uma casa, numa esquina de porta sempre aberta, onde trabalhava um sapateiro, um homem que me parecia muito suspeito porque era aleijado e tinha um rosto estranho, facto a que a minha mãe não era sensível e eu era obrigada a beija-lo, com uma certa repulsa, confesso. Mas beijava e ele sorria muito naquele seu rosto estranho e falava e a minha mãe falava e conversavam sobre a vida e sobre a sua juventude, por vezes. Para mim aqueles momentos eram penosos mas eram os rituais da minha m

Rescaldo

   A primeira nota que tiras da tua recente separação do homem com quem viveste 5 anos e, quiçá, a mais importante, é que já não tens ninguém que te faça massagens aos pés que sabiam tão bem, nem massagens nas costas, nem bem... massagens a coisa nenhuma. Se queres tirar os nódulos de stress ali na zona das omoplatas, encostas-te a uma quina de uma porta e roças-te como os ursos fazem quando querem marcar o território. Serve! Coçar o ponto mais inacessível das tuas costas quando as sentes a ferver de comichão também já não será possível, tens sempre a colher do esparguete que faz o mesmo serviço e não arranha tanto. Deixas de receber mensagens do tipo "olá gata, baby, amor ou querida" e passas a ser, quando há mensagens a B., uma consoante. Também já não tens ninguém a dizer-te que tens pêlos a crescer-te na parte posterior das coxas quando estás na praia a ver se relaxas. A relevância da informação é tal que só te apetece que ele próprio te arranque os pêlos com os dentes.
    Há muito tempo que não vinha ao meu blogue, vim hoje neste dia 2 de Outubro, dia que não me deixa indiferente. Senti durante algum tempo que nada tinha a dizer, andei amorfa e acomodada, sem paciência para retomar a escrita do meu livro, aquele que levará, muito provavelmente, uma década a ser terminado e pasme-se, sem grande paciência para a minha faceta ranhosa de falar mal. A vida corria tranquila e tranquila me encontrava no marasmo dos dias, a tentar dar algum sentido à rotina tantas vezes obtusa em que o ser humano se atola e onde eu bem chafurdei. Pasmava-me de tanta inércia onde alguns sobressaltos me arrancavam, de tempos a tempos, em entusiasmos febris, momentâneos e inconsequentes. Por vezes a vida é absurda de tão leviana, levamos grande parte da nossa vida a desgastar aquilo que poderíamos ser e que só afloramos muito tenuemente, um ser mais consciente e que se aproxima, em espaços, do esboço perfeito da nossa possibilidade humana, mas que nunca chegamo