S. Tomé - Dia 5, 6 e 7

  Anteontem fui sempre para sul até Porto Alegre. De S. Tomé, cidade até Porto Alegre são 70 km de curvas e contracurvas, de vegetação luxuriante e paisagem  de perder o fôlego. Foi dia de queimar quilómetros, de perceber a dimensão da ilha. E de perceber, também, como a ilha parece tirada dum livro do Robert Louis Stevenson ou de, como se de repente, do matagal cerrado pudesse surgir, fazendo estremecer as palmeiras a qualquer momento, um gorila gigante. A flora é riquíssima, as flores são exuberantes, as árvores altas ou de copas larguíssimas, de toda a ilha brota vida em excesso de cores, de formas, de tamanhos. Porto Alegre é uma aldeia piscatória no fim da estrada. É um porto pequeno com um aglomerado de casas caoticamente dispersas como, de resto, em toda a ilha. Aqui não me detive muito tempo, a fazer contas sem ter a certeza de ter gasóleo para o caminho de regresso. Certa que irei voltar noutro dia para fazer a travessia até o Ilhéu das Rolas e aí poder percorrer a aldeia a pé. Vim ligeirinha até a cidade a tentar poupar gasóleo o mais possível e a tentar lutar contra a estrada em péssimo estado e a vontade de parar em 100 em 100 metros para apreciar a paisagem e tirar mais uma foto. O cenário é tal que ficamos sempre com a sensação de que não tirámos fotografias suficiente, que aquela foto que perdemos nos fará imensa falta para completar todo o quadro. Não basta o deleite para os nossos sentidos, queremos perpetuar essas imagens. É uma paisagem avassaladora!
   Tomei banho na praia das Sete Ondas, uma pequena obra-prima da natureza! Crianças apanhavam conchas, de formas muito curiosas, fiquei fascinada por elas e daí a um bom bocado, vieram, num grupo de 5 ou 6 trazer-me uma mão cheia delas. São assim as pessoas de São Tomé, generosas, curiosas, afáveis. Conheci a Beatriz e a Suzete, duas meninas de 10 e 12 anos com quem falei um pouco e que me encantaram pela sua doçura e simplicidade. 
   Ao final da noite fui buscar, finalmente, o Fernando ao aeroporto, 

   Ontem foi dia de roças, de mais descoberta de praias e de um conhecimento ibérico.
Tinha telefonado no dia anterior a reservar mesa para duas pessoas no restaurante da Roça de S. João, a tal da tv Na Roça com os tachos. No caminho para lá paramos na praia do Micolô, outra praia de postal. Começou a chover com trovoada ao longe, neblina, muita humidade no ar.  
Tivemos ainda tempo para dar um passeio a pé por S. João dos Angolares, ver a igreja por fora e visitar o cemitério, antigo, fechado (saltar muros é uma boa forma de visitar cemitérios). A chuva tornou-se inclemente e não o vi como desejaria mas parece-me que há muito tempo que ninguém é ali enterrado. 
   Após o almoço, em que partilhamos mesa com o casal galego Saul e Maria José, com os quais encontramos algumas afinidades, eu em particular com a Maria José, fomos à aventura das roças, a primeira a Roça do Micolô (abandonada e com uma casa absolutamente maravilhosa com toda a imponência de há um seculo atrás e ainda, flores e trepadeiras luxuriantes. Uma buganvilia ainda persiste, teimosa! De resto, o enquadramento paisagístico é do mais paradisíaco que já vi) e de seguida a Roça da Comunidade Açoreana e a Roça do Amparo I. Na roça da Comunidade Açoreana encontramos um grupo de pessoas disponíveis para falar onde as crianças vieram ter conosco e eu lhes ofereci a 2ª bola que tinha levado. A alegria que surgiu na carinha de todos é de envergonhar todos aqueles que entre nós se lamentam de barriga cheia.   Conhecemos o Calu que nos levou até à Roça do Amparo onde descobrimos um grupo de jovens que nos cantaram algumas canções e onde estivemos, sem pressa, na conversa com as pessoas. Conheci outra Suzete, uma mulher jovem, muito jovem, linda a amamentar o 4º filho, uma coisinha roliça de 3 meses. Impossível não pensar que ela merecia ambicionar mais. 
   Com o Calu falei sobre o meu projecto, quis saber o que achava dele, se da parte da comunidade haveria disponibilidade para me abrirem as portas. Ele disse que sim. Já percebi que disponibilidade não falta, apenas dinheiro.
   Hoje fomos para norte, para descermos para sul pela costa oeste. Antes de passarmos novamente por Micolô, fomos ver duas roças, uma a do Monte Café e a segunda a Roça Saudade, onde nasceu Almada Negreiros e onde visitámos a Casa Museu e nos foi contado por um jovem local a história do nascimento dele. Distribuídos os últimos lápis e borrachas com grande confusão porque a criançada estava indomável, partimos rumo a Micolô onde tomamos banho rodeados de crianças curiosas, por vezes demasiado, comemos uns chocos deliciosos numa tasca de beira de estrada e fomos descobrir as várias praias que existem ao longo da costa, a praia do governador e a praia das conchas até a Lagoa Azul, onde a existência de uma cobra no mar acabou com as minhas expedições subaquáticas.  Zarpamos para Neves onde descobrimos uma costa diferente da costa este até ao sul mas igualmente transcendental. Um pneu completamente fora dos eixos ia dando cabo do resto da tarde não fosse termos encontrado uma recauchutaria onde o pneu de socorro teve de ser usado. Esperávamos comer santola em Neves mas o dono tinha ido para uma festa da sua igreja, qual não sei, descobri mais umas quantas igrejas que não tinha referido em diários anteriores, e portanto, não houve santola para ninguém. A miséria em que as pessoas vivem por toda a ilha mas com maior incidência em Santa Catarina, a povoação de fim de estrada a oeste, tal como Porto Alegre o é a sul, é confrangedora. A confusão que existe, pessoas, carros, motas, porcos, galinhas, cães famélicos, lixo por todo o lado, casas encavalitadas em casas, quase todas em madeira sobre estacas, chapas de zinco, intercaladas com bananeiras e outras árvores de maior porte, em chão de terra pisado milhares de vezes, só nos confunde a nós, ocidentais, os locais convivem muito bem com toda aquela confusão. A terra é fértil em matéria prima, o mar também, apesar de pobres têm o privilégio de ter uma terra que lhes dá muito. Algum cultivo de legumes faz o resto. A maioria dos saotomenses subsiste do que a terra dá de borla e daquilo que eles conseguem plantar. Não vi fome mas também não vi abundância. Habituaram-se também à cultura da pedinchice ao turista o que ao fim de dois ou três dias a dar, é altura para dizer CHEGA! " Branca, doces, doces! " dizem eles, já de forma quase automática. E os mais velhos, mulheres sobretudo também pedem, olham para o branco e associam a dinheiro fácil. Essa prática é incentivada de pais para filhos. O regresso à capital foi feita de noite em estradas em péssimo estado e onde a confusão continua com grande circulação de gente e de veículos. Os saotomenses não dormem.
Uma flor absolutamente extragavante. Não sei o nome, parecem flamingos.

Roça da Saudade

O Manifesto Anti-Dantas, um dos livros do espólio da Casa Museu de Almada Negreiros

Praia do Governador

A caminho de Neves






Comentários

  1. A planta chama-se bico de papagaio. Tem fêmea e macho, dependendo se o bico aponta para baixo ou para cima. :)

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  2. Só agora reparei no seu comentário, Luís. Muito obrigada pelo seu esclarecimento!

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