Mavericks, enjoados e veteranos

   A minha escola actual tem alunos em barda e por inerência, professores em barda. Da selva instruída que é a sala de professores, convivem entre si e sem se misturarem, três tipos básicos de personagens: os mavericks, os enjoados e os veteranos.
    Os primeiros, caíram ali não se sabe de onde e ainda estão a tentar perceber como se levantarem: são os "abaixo de cão na cadeia alimentar", os da casta dos intocáveis do ensino, os miseráveis contratados! São os que têm os horários mais detestáveis, os cargos menos aliciantes. Topam-se à légua pela postura, normalmente jovens e de aparência demasiado séria! Muitas vezes afastados da família já andam nestas andanças pelos Açores há um bom par de anos; questionados sobre o seu percurso docente normalmente já passaram por S. Jorge, Flores e alguns mesmo pelo Ilhéu das Cabras. Vivem para trabalhar, são os que passam mais tempo na escola! São professores com poucos anos de ensino, vieram ao engano e agora não sabem como sair daí! Ainda não perderam a esperança basicamente porque nunca a tiveram, fazem parte daquele grupo que, tirando algumas excepções, não foi para o ensino por convicção mas porque é preciso comer. Apesar de se integrarem melhor junto de outros mavericks têm abertura de espírito para simpatizarem com os veteranos! 

   O segundo grupo pertence aos enjoados! Este grupo pressente-se à distância, antes de aparecerem já um desconforto se instala no local por onde estão prestes a passar; os enjoados não cumprimentam, a não ser outros enjoados com que se identificam e os professores dos órgãos de gestão - os chefes! Os enjoados são lambe-cus por natureza! Têm também um ar sério não por serem tristes mas porque estão sempre cheios de si próprios, uma espécie de auto-indigestão permanente.  Estranhamente, nesta escola em particular, a porção de enjoo é directamente proporcional à camada adiposa (onde se  comprova que a soberba engorda!) e também se nota uma  razoável preponderância no sexo feminino (talvez porque elas são muito mais?). Ao contrário dos mavericks que têm aquela postura medrosa quando qualquer pessoa lhes dirige  a palavra, os enjoados não temem coisa nenhuma, são orgulhosos, levam-se muito a sério e desprezam acima de tudo os veteranos!Secretamente, ambicionam ser um deles! Ignoram absolutamente os mavericks. 

   Os veteranos subdividem-se em relaxados e alienados. Os relaxados são de uma casta muito mais low profile, levam o ensino numa onda mais soft, já levaram muito no focinho e principalmente já estão para lá do desencanto! Perderam as suas grandes expectativas em mudar o mundo mas perseveram e continuam, rindo-se de si próprios! Têm estatuto para relaxarem, cultivam a irreverência (não deixa de ser interessante verificar que a irreverência perdida na juventude, aparece muito mais tarde entre os 40 e os 50!). É o grupo mais barulhento na sala de professores, as gargalhadas vindas do fundo da alma pertence-lhes; os mavericks são mais discretos nas suas manifestações de alegria até porque não têm grandes motivos para rir; os enjoados também mas por outro motivo: não sabem o que é rir; de tanto cultivarem um ar carrancudo perderam essa capacidade! Quando o fazem, assemelha-se mais a um grunhido do que a um gargalhar saudável!  


   Os relaxados estão-se completamente nas tintas para o que pensam deles os outros, principalmente os enjoados e os chefes! São protectores dos mavericks, muito por simpatia mas fundamentalmente por pena. Revêm-se nestes e naquilo que já foram!
   Finalmente existem os alienados, estes, em menor quantidade mas de lugar cativo em qualquer escola, são os que se passaram para o outro lado e nunca mais voltaram inteiros: vagueam por ali de olhar alucinado, são olhados com comiseração por todos. 
   São o retrato vivo do destino de tantos.


   

Comentários

  1. És absolutamente maluca!
    Adorei!

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  2. Ehehehe achas que é desta que levo com um processo em cima?!:)))

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  3. Pela descrição encaixas rigorosamente nos relaxados. Deixa-me dizer-te que em todas as classes profissionais há todos este tipos.
    Eu, como sabes, sou uma mistura de vários deles, só não sou lambe-cus. Sou o mais anti-lambe-cus que pode haver. Pergunto-me com frequência: se soubesse o que sei hoje teria vindo para os Açores? Em geral não tenho resposta para esta questão. Raio de terra complicada! Consegue-se amar e detestar em simultâneo :-)
    Acho que ainda não te disse que o teu blog é um momento de culto. Beijinhos.

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  4. Obrigada Zé Maria, grande elogio!Estou completamente de acordo contigo quanto à dualidade de sentimentos por esta terra; os autóctones são seres à parte, cultivam uma espécie de burocracia kafkiana e vivem felizes assim! Ultimamente tenho ignorado mais as pessoas e valorizado a terra, o mar! Ainda compensa viver aqui, por enquanto, mas estou farta desta minha escola!Tenho a impressão que a minha escola também n irá sentir saudades minhas

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