Caminhada por ali acima...

   Esta caminhada de hoje com a Francesca como parceira  tinha tudo para dar errado, a previsão catastrófica de um temporal de dimensões apocalípticas e um rally não previsto mas que se veio a verificar ser no mesmíssimo local que escolhera para caminharmos; com tantos caminhos, estradas e canadas logo havia de nos ter calhado toda aquela azáfama de policias, bombeiros, gente da organização, tascas com bifanas e mais tascas com bifanas e gente e gente em local onde normalmente não há gente e se pode caminhar em paz;
   O temporal foi um fiasco, veio uma pessoa preparada para cair uma ou duas árvores à nossa passagem e vai daí não caí nada, não há vento e a chuva que cai não faz mossa nenhuma porque vem logo o sol e seca tudo.
   Quanto ao rally tivemos a nossa primeira suspeita quando vimos uma tasca de comes e bebes a cheirar a coisas impróprias para caminhantes. A Francesca ainda perguntou ao tasqueiro. " Há touros?!" Olhada de alto a baixo, resposta lacónica " rally". " E passam por aqui, por esta estrada?" " Por aqui e lá por cima!" O lá por cima elucidou-nos e fomos remoendo pelo caminho " caramba, com tanta estrada, foi aqui que a gente embicou para dar da caras com carros desgovernados, sujeitas a morrermos atropeladas?" Decidimos logo ali que já tínhamos o mapa do percurso: nós que gostamos de ir ao calhas sem destino, desta vez e porque não queríamos sequer ver as máquinas infernais iríamos por onde não passassem carros; pareceu-nos um bom plano, precisávamos de saber por que caminhos é que eles iriam correr; chegadas ao Viveiro das Falcas enfiamos pelo caminho das estufas e fomos por ali acima por mato cerrado; chegamos ao parque de campismo da Lagoa das Patas e logo ali demos de caras com outra catrefada de gente: polícias, bombeiros, organização, etc e tal. A Francesca " Vamos perguntar por onde passa o rally?" " Só pergunto aos bombeiros, são mais simpáticos! " " E depois dizem-te que não sabem...Pergunta-se já aos polícias" " Só se for à mulher polícia!Já agora como devemos dirigir-nos a uma mulher polícia?" "Senhora Polícia?!" " Boa tarde, senhora polícia! " As palavras ditas silabadas por falta de habituação. "Precisamos muito de saber por onde passam os carros!" "Os carros?!" A senhora polícia de mente agil a perceber logo. " Sim, os carros de rally!" " Passam por muitos sítios " " Sim, mas neste percurso que vai até aos Viveiros, eles passam?! " Ela a dizer que sim, o parceiro fardado a dizer que não e a responder: " Passam em vários pontos! Passam por aqui às 16! " " E pela estrada da Falca?!" que era o que me interessava " Passam depois de passarem por aqui! " A sentir-me a avançar para a luz perguntei: " A que horas?!" " Depois de fazerem este percurso! " " Não me pode fazer uma previsão?!" Consultado o relógio e apoiado por três ou quatros pessoas que se foram chegando " Daqui a 50 minutos! " Alivio e sorriso aberto " Ah que bom, assim se formos rápidas não temos que os ver! " O polícia homem pareceu-me inteligente e riu-se por simpatia. " Sabe..." confidenciei " É que nós devemos ser das poucas pessoas aqui que não vieram para ver o rally, na verdade andamos a fugir dele! " Risota pegada, tadinhas, andam perdidas, e nós a pensarmos furar novamente para o mato; nem pensar, vegetação impraticável  avançamos pela estrada em passo acelerado a ver se escapávamos  Chegadas novamente à Falca a Francesca que diz: " Vamos por aquela estrada! Vamos perguntar ao polícia se dá! " Mais risos. Polícia grande, corpulento, um agricultor a quem já tínhamos pedido uma informação, dois rapazes, tudo agrupado. " Boa Tarde, senhor Polícia! Nós podemos ir por alí? Passa o rally por ali?" Apontei o caminho. " Podem ir, não passa mas chegarão a um ponto que passará." " E como fazemos para não termos que ver os carros que passam?!" O primeiro olhar desconfiado. " Não conseguem, por aqui terão que desembocar numa estrada onde passa o rally! Quer ver?! " Ele já a abrir o mapa e eu num ápice, saco do telemóvel e digo triunfante: " Eu tenho um mapa de uma aplicação, com GPS! Quer ver?" E pespego-lhe o telemóvel bem à frente da cara, suficientemente afastada mas de maneira a que não pudesse deixar de ver a maravilha que tinha para lhe mostrar: " Tá a ver?!" O sol a dar-lhe forte no écran do telemóvel  eu a constatar isso e a dizer " Não tá a ver nada! " Ele a olhar para mim de expressão ofendida e a dizer " Já que não estou a ver nada, veja você aqui!" Eu horrorizada " Não,não, não percebeu...era a luz do sol a bater... percebe... não dava para ver..." E ele de rosto fechado mas ainda paciente abre o mapa, o desenho do percurso em versão extrasmall e com o indicador papudo a indicar o percurso e eu sem ver a ponta de um corno e a dizer que sim, "ah pois, estou a ver! " E o outro, o agricultor a falar já desde há bocado, ofendido porque ninguém o ouvia a explicar, " Ando por estes caminhos a vida inteira!" e a Francesca para mim no seu registo sempre suave, daquela forma deliciosa que tem de falar português com a entoação italiana " O senhor diz que é a segunda à esquerda! " Agradece-se efusivamente ao polícia e ao agricultor a ver se lhes passa a ofensa e segue-se em frente e mal fora do seu campo de visão, optamos por abreviar caminho: abre-se a primeira cancela de muitas e entra-se num campo de milho e a Francesca a dizer " se aparecer alguém dizemos  - io no parlo portoghese ou então dizemos que foi o polícia lá atrás que nos disse para virmos por aqui, por causa dos carros, para estarmos mais seguras". Depois do milho veio a bosta da vaca e o barulho dos carros, felizmente ao longe. Descemos os campos abrindo e fechando cancelas (descobri três trancas diferentes para fechar cancelas todas muito engenhosas), subindo muros e saltando muros, até que finalmente fomos dar à estrada corrente com uma última cancela; do lado de lá um bando de homens, acto instantâneo todos se viraram para trás e ficaram ali a olhar-nos com tal persistência que me fez lembrar as manadas de vacas, quando do outro lado do muro nos aproximamos delas. Ficam a olhar para nós a ruminar, na pessoa humana a erva troca-se por cerveja e de resto confere, até no olhar bovino. 
Contas feitas, 10 quilómetros calcorreados metade dos quais a invadir propriedade privada e sucesso quase absoluto, só vimos um carro e era amarelo, a cor predilecta da Francesca.














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