sonho

   Há os prazeres convencionais e há os prazeres não convencionais e muitas vezes estes são os melhores. São pessoais e intransmissíveis, nem dá para explicar o deleite que se sente, só se consegue por aproximação. Nem apetece muito explicá-lo porque ninguém o irá sentir como nós, é o nosso prazer especial, tantas vezes ridiculo mas que nos sabe maravilhosamente bem! Tenho alguns prazeres desses, como toda a gente tem os seus. O momento alto da minha semana de trabalho corresponde a um intervalo de tempo de 90 minutos em que, como é óbvio, não estou a trabalhar! Sei que é mais uma coisinha que não abona nada em meu favor, como verão mas ...azar, é para o lado que eu durmo melhor!  

   Eu gosto de dormir, sou boa a dormir, bastante profissional, não sou esquisita nas circunstâncias em que durmo, ultimamente já comprovei que consigo dormir em posição vertical sem que a cabeça caia para a frente (um equilíbrio ténue comandado por uns músculos no pescoço que já têm alguma experiência no assunto). Durmo quando preciso e quando não preciso, parece-me que ainda ando a compensar os anos de noites mal dormidas por vigílias a crias exigentes. Posso estar cansada, exausta de dormir mas há sempre lugar para mais um cochilo; acordo de cabeça à nora espremida em sonhos ruins e catastróficos; penso que tenho narcolepsia ou coisa pior, frequentemente mortal e com grande dor física associada, resquícios dos meus momentos auréos hipocondríacos mas depois condescendo... nah, é preguiça pura e dura!

   O meu ponto G da semana corresponde àquela hora e meia de sexta-feira que medeia a chegada à escola, às 8 horas da manhã para deixar os putos e a hora a que entro, às 9 horas e 45 minutos. Esse momento é sagrado, não prescindo dele! Estaciono o carro na zona mais resguardada do parque, de frente para um muro de pedra. Deito a minha cadeira a 45 graus, enrolo-me num montinho bem compacto com os agasalhos que trago de casa, descalço-me e sento-me de pernas cruzadas com os pés debaixo do rabo para permanecerem quentes, enrodilho as mãos nas mangas de um casaco, tapo a ponta do nariz, apêndice sempre frio no inverno e durmo! Mas durmo mesmo, não é passar pelas brasas, entrar na semi-consciência, nada disso, adormeço profundamente e sonho, sonho muito! Sempre sonhos entrincados, muito complexos, como são os sonhos de todos nós, não sou diferente! Farto-me de correr e de fugir, as pernas pesam toneladas, é penoso mover-me, sinto quase dor no desespero de escapar-me; voo, voo imenso, sei a sensação de voar sem asas, faço muitos voos picados, para poder voar nos meus sonhos basta começar a correr como os aviões e descolo da mesma forma; domino esta arte com alguma perícia, como voar é um prazer, por vezes induzo os meus sonhos para aquilo que me dá prazer; nem sempre consigo, mais vezes ando a fugir de seres pouco perceptíveis mas que sei que estão lá, caio por penhascos com alguma frequência, fico com o estômago a saltar-me pela boca, antes de me estatelar no chão depois de cair centenas de metros (palavra que são esse metros todos) paro a escassos centímetros, parece que fiquei virada do avesso, sinto os meus cabelos eriçados, tenho a pulsação ao rubro; é uma actividade muito radical, não preciso de descer rápidos ou fazer slide australiano, tenho tudo isso dentro do meu cérebro sem correr riscos desnecessários; por vezes sou alvejada por seres maus que habitam o meu espírito,facadas tenho várias, normalmente na barriga, sinto que estou a desfalecer, penso no sonho, sonhando que é real "então isto é que é a morte!" Por vezes acordo sobressaltada surpreendida por estar ainda viva, por vezes de forma suave e nem sempre tenho toda esta emoção nos meus sonhos, por vezes eu dou tréguas a mim própria... muitas vezes acordo de boca aberta e de saliva a escorrer-me pelo canto dos lábios (se disserem que nunca lhes aconteceu situação tão embaraçosa, mentem!). De cara inchada e cabelo desalinhado, aquele soninho faz milagres, é aquele pedacinho que falta ao nosso sono da noite. Dou à cabeça, repleta de pensamentos desorganizados, 5 minutos para se reagrupar, salpico o rosto com um pouco de água, calço-me e componho-me (o que for possível compor em quem anda sempre de fato de treino). Duas palmadinhas na face para espevitar, abro a porta do carro com a atitude de quem acabou de chegar e está cheia de adrenalina para começar o dia. O meu cérebro ainda vaguea por aquelas imagens oníricas, fortes e impressivas, tento reservar algumas ideias que aqueles sonhos me suscitaram, para mais tarde voltar a elas mas... acabo sempre por me esquecer, retenho as sensações mas esqueço sempre o argumento dos filmes.

   

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