São Longuinho



   Vem esta crónica a propósito de uma conversa que tive ontem, num jantar, no Beira-Mar de São Mateus, sobre a cerimónia do casamento. Uma das minhas amigas convivas casou há pouco tempo, numa cerimónia que, soube ontem, foi muito discreta e elegante. Esta minha amiga é muito minuciosa e perfeccionista e preparou este momento, tão marcante da sua vida, com um cuidado especial. Nada foi deixado ao acaso, tudo foi pensado desde a ementa do jantar ao pormenor das fitinhas que adornaram os bancos da igreja. A certa altura falou-se dos imponderáveis, aquelas situações que acontecem quando não era suposto acontecerem mas que dão sempre o colorido ao momento e que ficam na memória muito mais do que aquilo que correu bem!

 Lembrei-me do meu casamento! Lembrei-me da cerimónia do meu casamento! Anteriormente pensado  para ser realizado na Terceira, no dia 1 de Setembro de 1991 na Igreja de São Pedro e posterior banquete no espaço reservado do Clube de Ténis, tudo já preparado nesse sentido, acabou por ser muito, mas muito diferente. Não estava destinado que fosse nesse dia. De tal forma, as ondas electromagnéticas ou o que é que seja estavam desalinhadas que seria impossível que acontecesse. Veja-se: recebi uns tempos antes um telefonema de uma rapariga, que iria casar no mesmo dia e que cobiçava o espaço onde iríamos dar o banquete e vai daí, sendo uma rapariga de fartos recursos e lata proporcional telefona-me a perguntar se seria muito irrazoável pedir-me para eu alterar o dia do meu casamento ou quanto muito mudar o local das comezainas. Já não me lembro o que respondi mas estou certa que o que quer que seja que lhe disse não a deixou satisfeita e andou a fazer rezas ou o diabo e a coisa deve ter tido uma pequena interferência junto dos equilíbrios cósmicos que gerem as vidas de todos nós. Entretanto, com ou sem ajuda de terceiros, o meu pai para grande tristeza nossa, morreu no dia 18 de Julho desse ano e ninguém estava com cabeça para festas! A minha mãe ficou inconsolável e eu não poderia pensar em manter o ritual do casório nos mesmos moldes; assim, naturalmente, cancelou-se tudo e chorou-se a ausência do meu pai! Foi o ano em que fiquei colocada pela primeira vez na Lousã, o ano em que eu e o meu namorado tinhamos decidido ir viver para essa vila, perto de Coimbra. Voltou a marcar-se nova data de casamento, desta feita para 11 de Outubro numa cerimónia civil na Conservatória de Almada. Feitos os convites, descobriu-se que, estariam presentes 13 pessoas; a minha mãe foi inflexivel, não sairia de casa para ir ao casamento se à mesa se sentassem 13 pessoas; em desespero de causa, uma amiga nossa,  à última da hora, trouxe um amigo, o verdadeiro penetra, um rapaz que nem eu nem o noivo conheciamos, mas caramba, não era altura para esquisitices! Não tivesse este "amigo" aparecido provavelmente iriamos dar um almoço de borla ao primeiro cabeludo indigente que nos aparecesse! Estavamos por tudo! Quanto ao "amigo" nunca mais o vi, mas prestou-nos um bom serviço!
    A senhora conservadora, talvez intuindo que, aquele casamento não se enquadrava nos padrões normais, apareceu muito desleixada,gordissima,   bamboleando-se afogueada e de chinelos a arrastar pelo chão. A sala reservada para o efeito era feia e repleta daqueles inefáveis quadros do menino com a lágrima a deslizar pelo rosto e sucedâneos!
   O almoço (açorda de marisco e bifinhos com cogumelos) foi no Barbas da Costa da Caparica, que tem tudo a ver com o requinte e sofisticação do Laws Club Tennis!!! A própria ementa foi adequada ao requinte da ocasião.
   O fotógrafo fomos todos nós, fotografia de conjunto não houve, seriam 13 a posar já que o 14º teria que ser o fotógrafo e a minha mãe não permitiria; tal como não tiramos aquelas fotos tão artisticas dos noivos a cortarem o bolo, dos noivos a entrelaçarem os braços para o champanhe, dos noivos a beijarem-se... o padrinho fez a filmagem do casamento mas nunca ninguém chegou a ver a filmagem porque o padrinho nunca chegou a dar-nos a cassete, daquelas cassetes pequeninas... dúvido que saíba onde ela pára, se é que ainda existe!
   A lua de mel não existiu no tradicional sentido do termo! Não saímos de malas para lado nenhum, não apanhamos nenhum avião ou nenhum barco, a nossa suite de recém-casados foi o quarto dos pais do padrinho (sem os pais lá dentro). Dessa parte da história já nem me lembro muito bem, sei que foi assim mesmo mas não sei porquê! Também sei que, biblicamente, o esposo não conheceu a esposa nessa noite porque tinha andado nos copos na véspera e estava para lá de moribundo! 
   Deixando o melhor para o fim, pouco antes de sairmos para a Conservatória a minha mãe vem ter comigo desesperada, dizendo que perdeu a aliança de casamento, mais uma vez, "não saio de casa sem a aliança". Tudo na vida dela foram sinais, premonições, sensações, vibrações boas ou más! A Inês, a minha madrinha, veio em minha salvação: tendo vivido muitos anos no Brasil, conhecia uma reza de apelo ao Santo São Longuinho, crença popular muito enraizada que atribuía a este santo a capacidade de encontrar objectos perdidos. Assim, disse a Inês, é preciso dizer uma reza e tenho a certeza que se descobrirá a aliança!

São Longuinho, São Longuinho,
se eu achar (nome do objecto perdido)
dou três pulinhos e três gritinhos!

e assim foi, a minha mãe que naqueles dias de poucas alegrias andava a chorar pelos cantos foi convencida a dizer esta reza e foi, no mínimo, hilariante, vê-la  a gritar e a pular na esperança de encontrar a sua aliança! E encontrou...10 minutos depois enrolada nas franjas da sua colcha de cama! Por essa altura, toda a emoção, o nervosismo, a tristeza imensa daquelas semanas desmoronou-se e começou toda a gente a rir descaradamente, de uma forma quase demente, misturada com lágrimas e beijos e abraços à salvadora Inês e ao São Longuinho, obviamente! Este tornou-se nosso amigo, e ainda hoje o evocamos quando necessitamos dos seus valiosos préstimos, certos de sermos prontamente atendidos.

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