António Ambrósio

   O António Ambrósio entrou nas nossas vidas no dia 20 de julho, para algumas, as verdadeiramente privilegiadas entrou um dia mais cedo. O encontro com estas foi de tal forma inolvidável que, nós, as atrasadas a tal encontro vivemos o breve momento que foi a permanência na Calheta de S. Jorge com a expectativa fremente do momento em que, por fim, o nosso destino se cumpriria: e era, na verdade, certo que em algum ponto daquela maravilhosa ilha, o extase total seria aquele em que, as suas melenas raiadas de amarelo, o corpo franzino de porte marialva, o olhar penetrante em nariz afilado e farejador, se cruzariam connosco e em nós deixariam uma marca indelével que em vão tentaríamos apagar dos nossos pensamentos, tarefa ridícula porque impossível!

     O Ambrósio foi um dos nossos motoristas nesta breve permanência na ilha de São Jorge; no entanto, o Ambrósio não era e não foi um motorista qualquer; o Ambrósio tinha a lábia ladina de quem sabe levá-las (levar-nos) à certa; o Ambrósio era puro sexo, emanava de todo o seu ser uma tensão sexual que se pressentia ainda ele vinha longe; tinha um discurso rico e diversificado e a segurança de quem está  habituado à conquista pela simples condição de existir;  algumas das meninas afirmaram, mais tarde, terem sentido um arrepio na espinha e um eriçamento dos pêlos, um qualquer instinto não previsto mas sentido no mais profundo de cada uma; tal sensação deixou-as confusas e causou preocupação numa de nós, a nossa líder natural,  rapariga miúda mas de tempera gigante e nada impressionável que temeu desde logo, pela virtude delas; temente também da inocência de  nós, aquelas que ainda desconhecedoras da sua sedução arrasadora, sabia ela não conseguirmos fugir do seu jugo fortíssimo de testosterona. Assim, secretamente, teceu um plano; conjurou sozinha uma forma de nos afastar da sua influência que sabia ela nos perderia para sempre. Na hora de partida sentia-se a tensão no ar, procurávamos disfarçadamente a carrinha azul,  prenunciadora do seu formidável ocupante, tentavamos sossegar o coração que insistia em bater em correria, um afogueamento de rosto que nos deixavam lânguidas e prostradas; nesse entremeio a nossa líder perscrutava o início da estrada, já tinha dado instruções sobre a preparação da nossa partida e quando finalmente, as duas carrinhas chegaram, a branca e a aguardada azul, em tom de comando, que não admitia réplica alguma, afirmou: " As meninas todas para a carrinha branca, os homens vão todos na carrinha azul!" e juntando a afirmação à acção, conduziu-nos com firmeza às traseiras da carrinha branca e mais rápido que um relâmpago, juntou-nos a todas como um pastor conduz o seu rebanho de ovelhas; nesse entretanto, o seu olhar não se dirigiu um instante que fosse para aquele em que todas pensávamos,  ela não mas eu sim! E o que vi amoleceu o meu coração generoso: vi a transformação de um ser, um expressão de rosto que alterna do ufano para o desgostoso, olhar que de brilhante e vivo se torna toldado numa sombra de desespero, um curvar de ombros em desânimo de vida; quis aproximar-me dele e ensaiar uma justificação; no entanto não  o fiz! Em cobardia baixei os meus olhos e virei-lhe as costas! Dentro da carrinha e já em marcha lenta vi ainda o nosso motorista a lidar com a indignidade de um motor que não pega, um prolongamento do desanimo de alma do condutor. A carrinha azul vinha a soluçar, aos solavancos, partilhava da dor do seu dono! Na carrinha os sentimentos eram dispares, alivio, resignação, alguma histeria. Procuravamos confortar-nos a todas, concordamos que tinha sido melhor assim, temiamos a nossa perdição, sabiamos que o sacrifício do corpo determinava a salvação da nossa alma. 

   Chegamos ao nosso destino! Ele também, um pouco mais tarde! Disfarçadamente observei o seu rosto; parecia conformado, não lhe notei já o desespero, aceitou a fatalidade deste destino não cumprido. Respirei de alívio e procurei a nossa líder pedindo-lhe que, passado o perigo, se não considerava a possibilidade de uma recordação de homem tão original, que tantas sensações nos tinha proporcionado e com tanta generosidade; pedi-lhe uma foto! Ela aceitou! 

   Digo com a convição e a certeza das alegrias partilhadas que o momento que de seguida descrevo foi um dos mais importantes destes dois dias maravilhosos; a nossa líder no seu tom de voz assertivo chama-o e diz-lhe: " venha tirar uma foto com as meninas!" Maravilhosa transformação que o faz partir em corrida cais abaixo na nossa direção e em risco de partir o pescoço,  abrir os braços para a pose como que dizendo " Ah, finalmente tudo está como deve estar, o mundo ainda funciona como devia, tudo volta ao normal! O pesadelo terminou!"

Comentários

  1. Quero os próximos episódios! Que homenagem fantástica! Parabéns pelo texto, está lindo! (Alguém lhe faça chegar isto! Ele merece!)

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  2. eheheheheheh! Também sinto que ele vai gostar, se conseguir sobreviver ao primeiro parágrafo! :)

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