Os bichos cá de casa

   Tenho uma certa tendência para complicar a minha vida! Gosto de bichos e os bichos gostam de mim, gosto demasiado de bichos e os bichos respondem da mesma forma, um íman invisivel que nos atrai; não há gatinho na rua a quem não me apeteça fazer festas, cão rafeiro que não se aproxime de olhos mansos e perdidos.
   Quando vim para os Açores, trouxe 3 cães, o que muito me custou, que sai imensamente caro transportá-los por avião, sem falar nas caixas transportadoras, caras e de utilidade pouco recíclável. Ainda pensei deixar um dos cães com uma pessoa amiga mas achei injusto trazer uns e deixar o outro. Lá vieram todo, cães e filhos em igual proporção.
   Pouco tempo passado cá na terra oferecem-me um coelho branco, ainda gaguejei uma primeira recusa mas o entusiasmo de ter um novo inquilino, parou-me a tempo e um dia depois o coelho branco de olhos vermelhos instalou-se lá em casa. Ficou ao cuidado de todos e teve uma vida feliz e despreocupada durante dois anos até que por um descuído do filho do meio, em plena crise de adolescência, um bicho do mato em forma de gente, o coelho, em menos de um farelo, tornou-se brinquedo para os cães, que com a alegria exfusiante de todos os cães, não souberam cuidar do brinquedo e partiram-no em dois tempos. Quando dei pela coisa já o felpudo branquinho jazia mortiço no quintal, cuidadosamente guardado por 4 cães em decepção. A tristeza dos filhos foi insuportável de aguentar e já no dia seguinte novo inquilino se instalou lá em casa, não branco, mas castanho versão anã do primeiro mas igualmente fofo e frágil. A este o destino foi mais severo, envergonha-me de dizer que foi cruel! O adolescente, cada vez mais desleixado, esqueceu-se, imagine-se, esqueceu-se de dar comida ao animal e este finou-se, por inanição depois de 4 dias de penúria em que não soube protestar, chamar a atençao. Inconcebível! O meu filho está mortificado, com razão mas desta vez não lhe vou aparar a dor, quero que compreenda que o que aconteceu foi grave, que por sua única responsabilidade, um animal a seu cargo morreu. E, acabaram-se os coelhos cá em casa, não aguento passar por mais uma desilusão.
   No domínio dos gatos, surgiu o primeiro há dois anos, ainda vive, por qualquer razão obscura que protege uns bichos mais do que outros, é a matriarca felina e tem-se sabido aguentar incólume, absurdamente chata e antipática! Há coisa de oito meses apareceu a princesa lá de casa, uma gatinha deliciosa de pêlo comprido, com uma qualquer deficiencia nas patas traseiras que lhe dava um andar absurdo e encantador. Essa gata era a menina dos meus filhos e foi mimada como nenhum outro animal o tinha sido até então. O seu fim foi trágico, o conjunto das circunstâncias que o proporcionaram estavam perfeitamente alinhadas e a gata caminhou irremediavelmente para o seu fim. Os cães, outra vez eles! Novo brinquedo, este não tão colaborador! Agarrei na princesa já toda desalinhada e em choque e observei-a achando que tirando uma incapacidade de mover as pernas que pensei ter a ver com a sua deficiencia e estar dorida e em choque, ela iria sobreviver. Era de noite, já muito de noite! Não me ocorreu ligar ao veterinário, achei que iria sobreviver, sempre achei isso! Mas a gata estava condenada, rapidamente o estado dela se deteriorou e eu, a velâ-la percebi finalmente que ela iria morrer e essa constatação foi insuportável. E como dizer aos meus filhos que o bicho adorado lá de casa tinha morrido?! Foi uma noite de pesadelo, a gatinha exalou o seu último suspiro com algum sofrimento e eu fiquei inconsolável! Os miúdos foram mais valentes, choraram, fizeram-lhe um funeral e um enterro bonito, o Gui fez um desenho que colocou na campa. Uma semana depois, e depois de concordarmos em família que as saudades da princesa estavam a ser muitas e penosas, fui com o Gui buscar uma gatinha ao gatil municipal: não foi difícil escolher: surge-nos uma gatinha enfezada de várias cores que mal vem para o meu colo, calma, muito calma, se põe a ronronar como se pertencesse aquele colo, desde sempre! Não nos tirou as saudades da princesa mas ajuda! Como todos os humanos também todos os bichos são insubstituíveis!
   As minhas gatas tem um convívio frio, a pequena gostaria de uma maior aproximação, a grande olha-a com desdém. A pequena entendeu desde cedo que a grande é antipática por natureza e resigna-se a ser bufada de tempos a tempos e importunada com brincadeiras um tanto ou quanto abrutalhadas quando a grande lhe apetece brincar.A grande trata a pequena com sobranceria, um pequeno monte de pelos com pernas em que pode treinar algumas movimentações atacantes em que não raras vezes ferra os maxilares com maior ímpeto que o desejado.
   Quanto aos cães admito o meu cansaço! Os cães são cansativos, de tanta necessidade afectiva tornam-se aborrecidos! Confesso a minha incapacidade para distribuir atenção a tantos seres vivos! Os quatro que tenho esgotam-me a minha paciência! Houve tempo em que preferia cães a gatos, agora admito dizer que prefiro os gatos aos cães. Os meus cães em competição unem-se dois a dois excepto quando o assunto é comida, neste caso é cada um por si! A Dalila, uma husky valente, cadela apanhada na rua a vaguear perto da lixeira municipal gostaria de ser a chefe e consegue-o de tempos a tempos quando o pretinho Barnabé lhe dá oportunidade, o que não sucede sempre, porque de ser tão mandona, ao Barnabé esgota-se a paciência e aí o caldo entorna-se. E ainda não referi o mais problemático, Gastão Elias, ser de difícil definição, um fox terrier de pêlo na venta e muito pouco juízo que pensa que pode com todos, e já teve motivos mais do que muitos para pensar o contrário;sim porque eles pensam, não tenho quanto a isso a menor dúvida! O Gastão é um hiperactivo com défice de atenção, incapaz de aprender uma ordem, mais, sem vontade de aprender uma ordem porque isso dá trabalho e concentração e isso é coisa que lhe falta. Um ser tão stressado que respira ruidosamente com a expectativa do disparate, capaz de saltar nas 4 patas em simultâneo, como se tivesse molas nos pés! Finalmente, a Minerva, mãe do Gastão, outrora stressada, hoje em dia com os seus venerados 12 anos um pouco mais serena, a matriarca dos quatro a quem ninguém pede conselhos e que perdeu a sua autoridade faz tempo e conformou-se com isso. É a única com autorização para entrar em casa porque é também a única a não querer comer os gatos à primeira oportunidade. O equilibrio entre os quatro é precário e obriga-me a um esforço hercúleo para manter a troupe estável! Nem sempre isso se consegue e sucedem lutas fratricidas  de resultado incerto! Por vezes desespero mas penso que para o bem ou para o mal são meus e a eles lhes pertenço. Certo, certo é que a mais cães respondo com um redondo não! Fico-me por estes!
   
  

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