Os Romeiros


   Os romeiros estão quase aí! É uma das tradições religiosas açorianas que mais me impressiona, grupos de homens, exclusivamente homens, que aquando da época santa da Páscoa, percorrem as ilhas rezando e cumprindo as penitências que muitos lhes encomendaram e por todos aqueles que,  abordando-os no caminho lhes pedem que rezem por eles e pelas suas famílias.
   Existe um livro muito interessante sobre esta prática religiosa com imensas fotografias, incidindo exclusivamente sobre a ilha de São Miguel, onde esta tradição tem maior expressividade e onde se iniciou. Contudo, a ilha Terceira também a realiza tendo um grupo activo que pode variar entre 40 a 60 elementos, entre adultos e crianças.
   A primeira vez que vi um grupo de romeiros foi justamente em São Miguel, estava eu lá de férias com os meus filhos. A visão de tal agrupamento de homens, de roupagens características envoltos em lenços grandes e garridos, a contrabalançar  as calças e casacos escuros de aparência grosseira, adornados com inúmeros adereços com símbolos religiosos, terços, crucifixos, é forte e põe-nos em sentido. Curvo-me perante tal expressão de religiosidade; não é sequer aparentado a uma qualquer interessante curiosidade turística, é muito mais do que isso, a demonstração de fé daqueles homens, é pungente e comove até às lágrimas.
   Em conversa com alguns dos meus alunos durante uma aula, apercebi-me que um deles, miúdo franzino de 14 anos, faz parte do grupo dos romeiros da ilha Terceira. Entusiasmada, sujeitei-o logo ali a um interrogatório a que respondeu satisfeito e solicito. Diz que sempre pertencerá aos romeiros, que o irmão mais velho já o é há muitos anos, ele próprio iniciou-se há 3 anos com apenas 10 anos; diz que é uma caminhada dura, que se põem em marcha, todas as madrugadas, às 4 horas, para terminarem, regra geral, por volta da meia-noite. Diz-me também que o percurso inicial tem partida na Igreja de Nossa Senhora da Conceição, em Angra terminando na freguesia de Santa Bárbara. 
    Os alojamentos e as refeições ficam a cargo das pessoas da freguesia onde terminam o seu dia, de uma forma espontânea e quase aleatória: no átrio da igreja e após as cerimónias religiosas que encerram o dia de romagem, os romeiros agrupam-se e a população escolhe quantas pessoas deseja albergar: uns recebem dois, outros três, ficando o número dependente da disponibilidade de cada qual. Já na casa do hospitaleiro, continuam as rezas, frequentemente rezam o terço por alma do dono da casa e da sua família e no repasto nocturno, o dono da casa é sempre o primeiro a servir-se, seguido da sua família e só depois se servem os romeiros, se houver comida que reste. Diz-me o meu aluno que, houve uma ocasião em que ficou sem comer, simplesmente não havia e foi deitar-se de barriga vazia.Perguntei-lhe se não ficou zangado, encolheu os ombros como se tal pergunta não fizesse sentido algum, respondeu-me que os romeiros estão em romaria para servir e para se sacrificarem, para ele foi naturalíssimo esse sacrifício! És estúpida! recriminei-me mas... afinal de contas não passa de uma criança; entendo contudo que este miúdo não é uma criança qualquer, eu sei, afinal, lido com elas todos os dias! 
   Continuou dizendo que o terceiro e o quarto dias são aqueles onde, regra geral, os romeiros se vão mais abaixo, onde sentem todo o cansaço a cair-lhes em cima, que sempre fez a romaria toda, ao contrário dos mais pequenos que por vezes a iniciam alguns dias mais tarde, diz-me isso com orgulho visível no rosto, que sempre aguentou o cansaço de tantas horas de caminhada, o peso da roupa, tantas vezes encharcada com as chuvas torrenciais, o calor insuportável, as dores nas pernas, mas nada que o faça vacilar! 
   Peço-lhe que me avise do dia do início da romaria deste ano, quero ir apoiá-lo e ajudá-lo se precisar. Responde que sim, risonho, aguardo com expectativa a sua caminhada.


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