Não sou terceirence, sou almadense, não sou
terceirense mas poderia bem sê-lo; sou almadense porque nasci em Almada e é só.
Na verdade, já me sinto uma terça parte desta terra e podem vir dizer que não,
que isso pouco me importa. Se eu o sinto, eu sou! E por o ser ou sentir, mais
me diverte observar os meus quase conterrâneos, que vão vivendo as suas vidas
sempre cheios de uma graça e uma peculiaridade que não encontro em outras
paragens. O que observo não vem impregnado daquela sobranceira superioridade
com que os do continente observam os nativos, conhecer esta terra desde os meus
10 anos acabadinha de fazer 48 anos, com idas e vindas ocasionais e 11 anos de
casa, dão-me estatuto para poder fazer umas criticazinhas sem que daí venha mal
ao mundo. Os terceirenses não são rancorosos, ressentidos ou vingativos. E no
entanto, estão impregnados de outras tantas características, algumas quase
deliciosas de que apetece falar quase com ternura.
O terceirense não gosta de andar a pé, anda por
obrigação, anda porque não consegue que todas as ruas sejam como a Rua da Sé,
onde pode parar o veículo a qualquer hora e instante para ir comprar o pão, ou
à farmácia ou ainda comprar os parafusos ao Nildo Neves. Anda a pé sempre que,
ponderadas as alternativas, percebe que demoraria mais tempo a ir buscar, a pé,
o carro, não porque encontre benefícios físicos nesta prática.
O
terceirense gosta do carro e de pará-lo, à descarada, no meio da estrada e
apelar à boa vontade e bonomia dos outros. O terceirense anda sempre numa azáfama,
a tirar ou a por qualquer coisa do/no carro. Está sempre entre o “ vou só ali”
ao “é só um instante”, certo da compreensão dos outros, porque ele faria a
mesma coisa. Ser apressado ou stressado faz mal ao coração, dos outros, pelo
que não entende e ofende-se quando é admoestado sobre a sua conduta na estrada.
O terceirense reage mal ao comentário arisco do condutor que espera atrás; e no
entanto nunca chega a vias de facto: prefere o dedo do meio ou um consolador “
vai p’ra porra”. Enquanto gesticula malcriadamente ou lança impropérios, alivia
os maus fluidos que circulam dentro dele e mantém a civilidade dentro de
parâmetros, se não desejáveis pelo menos, não parte para a violência física e
isso é de louvar.
O
terceirense da cidade gosta das carrinhas grandes e luzidias porque não podendo
ter vacas e propriedades rurais, fica pelo menos com um dos apetrechos que
melhor se identificam com as explorações agrícolas. Uma espécie de ruralidade
fina, que o liga à terra sem que o torne rústico e não tem o inconveniente da
merda seca nos rodados a sujar as entradas da propriedade.
Andar a pé é reservado para todos aqueles que
passaram todo o dia a andar de carro mesmo que seja de ir de A a B distantes
entre si 300 metros e que no final do dia, desejam fazer o exercício físico que
não puderam fazer durante o dia, porque estavam a trabalhar. Aí vestem o fato
de treino e orgulhosamente detrás das suas grandes panças e do alto dos seus
grandes rabos, exercitam o seu corpo, já moldado ao assento da viatura. Andam a
direito porque a única subida que fazem durante o dia é quando se afadigam para
treparem para os seus altos jipes, grandes e luzidios. É vê-los a marcharem
laboriosos pela marina de lés a lés, em passo corrido, a ver se a meia-hora de
passeio compensa a quilometragem da viatura pelas ruas maltratadas da cidade. E
quando regressam lá está o carrinho, logo ali pertinho para os conduzir a casa,
que já é tarde e o jantar atrasa-se.
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