O ser hipocondríaco é arguto e inteligente e não se deixa vergar por evidências simples; se a tosse surge por  uma qualquer mudança de temperatura, a causa que aponta não será a do ar condicionado mas sim das substâncias mortiferas que se escondem nos seus tubos; nunca será a mais inofensiva, a doença de que sofre é galopante e fatal e não há nada nem ninguém que o convença que daquilo não morre; só larga o osso quando descobre outra doença ainda mais devastadora e os sintomas surgem, instantaneamente, em consonância.  E não há ofensa maior do que lhe dizerem que não tem nada, como se atrevem?! A pontadinha nas costelas, insidiosa revela, com toda a certeza, um mal súbito cardíaco, a dor na base da coluna é um cancro nos ossos, o mau estar de estômago esconde um aneurisma abdominal! O hipocondríaco gostaria que, da varanda da sua sala se avistasse a porta das urgências para sondar a movimentação dos doentes e assim saber qual a melhor altura para visita-la, uma vez que o hipocondríaco tem a singular mania de ir ao hospital, não porque precise mas porque gosta.  Deverá ser a única pessoa entre todos, médicos incluídos, que gosta genuinamente de frequentar os hospitais. Os cheiros a desinfectante e outros demais, são perfumes dos mais raros; maquinaria específica e macas e outras que tais estão dentro da sua noção de decoração perfeita. O hipocondríaco sofre com a condição infeliz de raramente sofrer de mal algum, de corpo pelo menos. É doutorado em todas as especialidades conhecidas e escarnece do conhecimento médico geral porque acha que os médicos padecem de um falha imensa, a da falta de imaginação. Sendo assim, considera-os todos básicos e muito apegados ao bom senso. Para o hipocondríaco, o bom senso é o inimigo primeiro de um bom investigador médico; segundo ele, todas as hipóteses devem ser ponderadas e sempre começando por aquelas que  terão, estatisticamente, menos probabilidades de acontecer  dado que, para o hipocondríaco, as desgraças maiores acontecem sempre a ele, contradizendo o lugar comum de que padecem os vulgares mortais, que vivem  ignorantes, certos que as desgraças só acontecem  aos outros. O hipocondríaco vive sempre na expectativa do que vai acontecer, é um catastrófico por convicção, a ele a doença não o apanha desprevenido, consegue identifica-la vários meses ou anos antes que se manifeste. E no entanto nunca passa desse estágio expectante em que espera, sem sucesso, que a doença efectivamente  se manifeste. Mas sabe, bravo e empenhado que a bula de doenças é quase infinita e parte para a seguinte com a mesma convicção alegre e doentia.

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