No salão
Há duas horas à
espera para me porem bonita para as marchas no salão de cabeleireiro onde venho
mais vezes e nunca me aborreço; é quase tão bom como me
sentar numa mesinha do Aliança e esperar que a conversa flua. Ouve-se tanta
coisa e dessa há tanta com tanta graça! Mas é por ondas, nem sempre as conversas se trocam com a mesma
intensidade e brilho, as vezes instala-se o silêncio, estranho, no entanto, basta alguém, uma cliente, um
familiar do cliente, lançar algo para o ar que imediatamente se pega por uma
das pontas da conversa e daí diverge para algo que sucedeu, alguém que teve um
comportamento que não se tolera, uma novela que se acompanha, um boato que se
ouviu, uma desavergonhada que enganou o marido e que se passeia pela cidade sem
pejo com o outro; se há lugar onde se possa e deva falar mal é no salão de
cabeleireiro, instituiu-se que aqui se pode costurar à vontade que daí não
passa; ninguém leva a conversa para fora porque a conversa pertence ao local. E se se ouve “ ouvi dizer, contaram-me no cabeleireiro, a rapariga que me pinta as
unhas disse-me…”, a credibilidade atribuída à fonte é escassa e permite alertar desde logo o receptor que, o que conta, já traz a informação adulterada. O salão de cabeleireiro funciona
como um confessionário alheio, a gente conta o que ouviu dizer, normalmente é
sempre por interposta pessoa, nunca se conta o que aconteceu na primeira pessoa
porque má língua que se preze refere-se sempre a algo que se ouviu que 3 e 4
pessoas disseram primeiro e que entretanto refinaram com pormenores de cunho
pessoal ao qual emprestaram uma cor e vivacidade muito mais interessantes do
que a matéria prima original: a história da mulher, a grande vaca que pôs os
cornos ao marido, não só os pôs como ainda teve o atrevimento de tendo-os posto
andar a contar a toda a gente que os voltava a por é muito mais
sumarenta do que a ladainha da pobre
coitada que, cansada de ser rejeitada pelo marido não resistiu aos avanços do
carteiro que tocando-a ao de leve na mão e deixando-a lá ficar enquanto lhe
passava o envelope, por duas vezes lhe disse que não gostava de a
ver tão triste, ela que tinha uns olhos bonitos, que grande pecado! No entanto,
no salão de cabeleireiro sempre que se inicia qualquer nova conversa
normalmente diz-se à laia de introdução para esclarecer as coisas “ não tenho nada a ver com isso e longe de mim
fazer juízos de valor, afinal a vida de cada um é como a vida de cada qual e cada um
sabe de si …..” e aqui vai, desbobina-se aquilo que não nos diz respeito com o afinco
e a nobreza de quem julga verdadeiramente estar, de certa forma, a reabilitar a
pessoa de quem se fala mal; uma espécie de tentativa de desagravo pela má acção
cometida mas que merece redenção, afinal “ não estamos nós livres de nos
acontecer algo assim, credo, Deus não permita mas…”. É pois, se formos a ver um
acto caridoso de bom cristão, reabilitar o bom nome de alguém, dissecando o seu
acto condenatório, procurando com isso encontrar os motivos, que enfim se podem
compreender e sendo assim quase aceitar. É também uma forma reguladora dos nossos comportamentos, afinal de contas ninguém quer ser motivo de falatório no salão, com boas intenções ou não!
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