Vizinhos fofinhos

   Quem já viu o filme Duplex com a Drew Barrymore e o canastrão  do Ben Stiller, um filme que conta as peripécias angustiantes de um jovem casal a braços com a vizinha do andar de cima que lhes torna a vida num inferno? Viram? Pois se viram, é ou não é desesperante e digno de dó todo o sofrimento que aquela frágil velhinha de quase 200 anos, tão aparentemente fofinha mas tão ruim, consegue infligir nos dois? Apetece ou não agarrar-lhe pelos pés e pô-la a rodar tipo lançamento do martelo e lança-la pela janela? A mim apeteceu-me e se me atrevo a ver novamente o filme, fico logo irritada e a hiperventilar. 

   Pois é, eu afirmo solenemente e sem sombra de exagero que, na minha vida e no andar de cima, não existe uma frágil velhinha mas dois velhos, cheios de saúde e veneno a infernizar-me a vida. A rua da minha casa tem, umas 30 habitações de cada lado, umas de dois pisos e as outras de piso único. As contas, feitas por alto, darão umas noventa famílias. Todas essas famílias me parecem genuinamente fofinhas. Todas menos a família de velhos secos e agrestes que vivem por cima de mim. Acertei em cheio, portanto! 

   A casa onde vivo, tem uma zona de passagem que me pertence mas que tenho dar serventia aos vizinhos de cima, para acederem a uma cave cheio de tralhas e a cheirar a mofo, onde eles vão muitas vezes para se impregnarem de azedume e a um jardim minúsculo cheio de arbustos, onde para lá entrar é preciso uma catana do mato e fato de mergulho anti-arranhões. As persianas da casa dos vizinhos de cima estão sempre a meia haste, sem duvida, para servir de zona de espionagem. Se há coisa que tenho a certeza é que os dois me controlam os passos. Não posso dar um passo em falso que tenho o tipo, ela como toda a boa mulher casada, manda o marido fazer. E ele faz. Aliás, é a única coisa que faz, moer-me o juízo e jogar golfe todos os dias. Isso e mictar todas as manhãs, às 6 horas em ponto a fim de servir de despertador. Esqueçam os toques de despertador mais estridentes e as bofetadas dadas com o braço atrás. Se querem acordar devidamente, oiçam o fio do chichi do vizinho de cima. Aquele fio que nunca mais acaba, em que o procedimento leva, no mínimo, 2 minutos, como se tenha um problema de prostata, o chichi da gente velha, que é por fases e por mudanças de intensidade. Nunca repararam? Levam mais tempo do que encher um garrafão de água de 5 litros.

   Os vizinhos de cima, como estão reformados e têm muito tempo livre andam sempre a ver se arranjam coisinhas para implicar, eu sou a ocupação favorita deles.

   Tudo começou quando eu, desprevenida me armei em parva e me fui apresentar, cumprindo as regras de boa vizinhança. Parva, antes tivesse levado um bolo impregnado em estricnina. A velha (e reparem que utilizo a expressão velha, com toda a força da palavra), para atalho de conversa e para parar de me armar em fofinha veio logo dizer que eu tinha meio telhado para pagar (telhado que se formos a ver bem só lhes serve a eles). E que a zona de passagem que liga aos vizinhos, os tais do filme mais Kusturicano de sempre, devia levar uma vedação bem alta, gradeamentos em ferro com ponteiras no topo, para empalamento de quem se atrevesse (gradeamento a pagar por mim somente, claro). O tubo para a salamandra que queria fazer (e fiz) iria descaracterizar a fachada, esquecendo-se que as persianas e varadins em ferro da casa deles são do mais feio de que há memória só tendo concorrente nas maiores preciosidades da Ribeirinha.

  Já falei da passagem, não falei? Pois, aquela passagem, que me pertence mas que eles fazem questão de usar para o necessário mas fundamentalmente para o desnecessário, é sempre fonte de discórdia. Ou porque a passagem está suja e vai terra para os esgotos e depois lá vão os esgotos, ou porque coloquei uma porta encostada ao muro na passagem (já mencionei que a passagem me pertence?) e esse muro colide com a noção de estética do vizinho de cima porque se encontra ligeiramente encostada ao jardim selvático onde ninguém entra e muito menos ele, que é alto e desengonçado mas no qual já percebeu que uma das minhas cadelas caga, com vontade, diga-se! Aliás, ter a cadela a cagar no quintal dele e a fazer alguns buracos na terra é alguma consolação para mim. Mas faz-me espécime, como é que aquela alminha consegue perceber que a cadela caga no quintal dele? Será que tem um furão amestrado que solta no quintal e que lhe faz o trabalho de espionagem? Há coisas que me escapam, mas que caga, caga (repare-se que uso a expressão "cagar" propositadamente e cada vez com maior prazer). Outro dia bateu-me à porta e disse como introdução: " não quero o seu cão a cagar-me no quintal! e aquela porta o que está ali a fazer? ". Pedi desculpa pela cadela, afiancei que lhe iria limpar o quintal o mais rápido possível, afirmei que a porta estava no meu espaço. Ele não concordou e ao desculpar-me e tentar fechar a porta pôs-me o pé na porta. Assim! Quando lhe bati a porta no nariz ficou a rosnar do lado de fora durante uns segundos que eu ouvi. Uma coisa de urso mesmo.

   Aquela passagem dás-lhe cabo do neurónios de uma forma que ando, desde há algum tempo, a congeminar coisas para os deixar mais irritados. É que isto pega-se. Se se lembram do filme, a coisa atinge proporções maquiavélicas e torna-se doentio. Por agora limito-me a achar piada chateá-los! Afinal de contas se eles precisam de uma ocupação e me escolheram a mim, tenho de tornar-lhe a vida o mais satisfatória possível. Tenho muitas ideias, não tenho é tempo. E no entanto, com vontade tudo se arranja. É uma verdade para a vida. Tenho imaginação e tenho vontade. Ainda a procissão vai no adro. Prevêm-se tempos entusiasmantes! Haja saúde para isso.

  

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