O natal do divorciado

Natal! No Natal ninguém pensa nesses desgraçados, nessa casta de desperados que são os divorciados. Eu penso e estou solidária. O divorciado passa por cinco estágios ao longo da sua condição de divorciado: O primeiro é a Negação: o tipo ainda não percebeu, sabem, aquele momento que acontece quando, por ex. um puto tira um chupa chupa ao outro e este fica ali um segundo a tentar perceber o que lhe aconteceu antes de começar a chorar desalmadamente? No Natal ainda toma banho, perfuma-se, compra a prenda certa e tem esperança que ela se comova com a tristeza dele, apesar dos 50 sms diários sem resposta. É um crente.
Com o segundo estágio vem a raiva e tudo descamba. Aos 50 sms de amor seguem-se 50 sms mortíferos onde o Stephen king se poderá inspirar. É um estádio de insanidade normalmente temporária. Convém fazer um seguro contra todos os riscos, do carro também e todos os bens perecíveis. O Natal é explosivo e imprevisível. O presente comprado foi queimado num ritual satânico. As fotografias em comum tb.
No dia seguinte, ele negoceia. Já se esqueceu das figurinhas que fez no dia ou na semana anterior e faz muitas promessas, daquelas muito impossíveis. Pede muitas desculpas pelos pneus do carro e jura todo o tipo de disparates, é a altura em que o mentiroso jura a pés juntos de que fala verdade. O Natal volta a ser possível, o mundo está repleto de esperança, os 50 sms passam a 100 sms de amor enjooso e faz-se marcação cerrada ao quarteirão.
No quarto estágio já está o tipo deprimido. Olhar esgazeado, rameloso, magro, desmazelado. Não muda os lençóis da cama há um mês e alimenta-se do amor perdido. No Natal, se conseguir transpor a porta da pocilga onde vive vai criar má onda no jantar da consoada. Ora ri desalmadamente e conta piadas picantes ao priminho de 10 anos, ora bebe que nem um porco e adormece no sofá da entrada com os gatos da casa por companhia. Anda assim até ir parar ao hospital por uma alergia fenomenal a picadas de pulgas de uma infestação que teve em casa. Não pode descer mais baixo, o degredo é total. O senhorio ameaça-o com um despejo, ele arranja um cão para ir fazer companhia às pulgas. O cão passeia-o pela cidade porque já não o pode ver assim. 
Em chegando ao 5º estágio, está a casa ingovernável e para o cão já chega.  Inexplicavelmente, toma banho, já não se lembrava, fica com o corpo cheio de comichão de estar limpo, apanha uma pancada de ar, vai parar ao hospital pela 2ª vez numa semana, a camada de sebo só lhe fazia bem. Faz uma cura de sono no hospital e dá por si a apreciar o rabo de uma enfermeira.
Considera-se curado, aceita o seu estado de divorciado, pede o número de telefone à enfermeira, e vai à procura do cão que não quer ver nem morto. Sente que tem algo agora pelo que lutar. A enfermeira dá-lhe uma ajuda, é tão permeável a ajudas. O mundo é risonho novamente.
Este é o final feliz da história. Há outras.


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