O beijo da avó
A minha mãe mandava-me beijar os avós. Quer dizer, a minha mãe não mandava, sabíamos que tínhamos de dar beijos aos avós. Mas não só aos avós, aos tios, padrinhos, primos e desconhecidos, tios dos primos dos padrinhos e amigos dos tios dos afilhados. Essa era uma tarefa da mãe, não do pai, não me lembro do pai dizer para beijar fulano ou sicrano. Devia ser uma competência de mãe, da minha mãe era. Quando íamos ao alentejo, à aldeia da minha mãe, no percurso a pé para a casa dos meus avós passávamos por uma casa, numa esquina de porta sempre aberta, onde trabalhava um sapateiro, um homem que me parecia muito suspeito porque era aleijado e tinha um rosto estranho, facto a que a minha mãe não era sensível e eu era obrigada a beija-lo, com uma certa repulsa, confesso. Mas beijava e ele sorria muito naquele seu rosto estranho e falava e a minha mãe falava e conversavam sobre a vida e sobre a sua juventude, por vezes. Para mim aqueles momentos eram penosos mas eram os rituais d...