Pensar na vida...
Pensar na vida...
Há quem o faça no ano novo, com a promessa de um novo recomeço.
Há quem o faça sem promessas, simplesmente pensar na vida.
Eu penso, penso muito!
Quando tinha vinte anos pensava que ia morrer antes dos trinta.
Aos oito anos tinha a certeza absoluta que não ia chegar aos nove. Nunca tinha beijado um rapaz na boca, os beijos que dava ao espelho, que o deixava todo embaciado e babado, não me satisfaziam.
Não ia ter bebés!
Não ia fazer todas as coisa que os adultos fazem! Que imbecil!
Passada a barreira dos nove, estive uns anos ocupada a crescer saudável, a dar cabo do juizo dos meus pais, até que aos 17 anos me deu forte maluqueira: agora é que ia ser, que iria morrer de uma forma horrível.
Desenvolvi um gosto obsessivo por ligar e desligar interruptores de luz, acertar os livros nas estantes por tamanhos e emparelhar os pares de sapatos por texturas e cores.
Saia de casa e entrava em casa uma dúzia de vezes para me convencer que a luz da casa de banho estava desligada e que a porta do frigorífico não tinha ficado encostada; um alien, quem sabe, um monstro, podia andar a brincar às escondidas comigo!
Tinha desafios mentais do tipo - se não conseguir ligar e desligar a luz 5x em 5 segundos, morro!.
Tornei-me intima da psicóloga que me punha a desenhar o meu " Eu" de olhos fechados e a fazer joguinhos para travar os meus ímpetos obsessivos.
Tinha várias doenças físicas gravíssimas...todas na minha cabeça.
Fazia filmes diários: a pontadinha nas costelas? Iminência de um ataque cardíaco fulminante. Dor na base da coluna? Cancro ósseo. Mau estar no estômago? Aneurisma abdominal.
As desgraças estavam sempre, prestes a acontecer-me, contradizendo os vulgares mortais que vivem ignorantes, certos que as desgraças só acontecem aos outros.
Não, a mim a doença não me apanhava desprevenida.
E os ataques de ansiedade?
Que experiência poderosa! Poderosa e dispensável, antes um par de estalos nas ventas.
Aquele frio subito que sobe pela espinha, que te acelera a respiração até parecer que te saem os bofes pela boca e o coração pelas orelhas.
Um panicoso consegue reconhecer outro panicoso à distância, já todos se humilharam com cenas deploráveis à porta dos hospitais.
Figuras tristes!
Certo, certo é que chegas aos 30, passas os 40 e chegas quase, quase, aos 50...viva!
Depois pensas:
" Aos 50 já te vai faltando o tempo, não é, a margem agora está a ficar curta, afinal se calhar até tinhas razão!"
Estão a ver a lógica torcida? É que a cabeça não pára!
Chegas lá, aos 40, dizem-te que estás no teu auge, que agora é que aprecias a vida devidamente. Que agora é que estás madura sem teres perdido a frescura?!
Pffff!
Com uma cabeça que não pára, a conta bancária à mingua, o cabelo a esbranquiçar, a pele do pescoço a parecer o de uma galinha depenada?!
Acrescenta aí, os filhos...adolescentes!
Que farejam o frigorífico de 10 em 10 minutos a ver se o génio que vive lá dentro repôs o stock, deixam esqueletos de maças debaixo do sofá e as cuecas selada penduradas, do avesso, no cesto de roupa suja.
Que dizem que não percebem nada do que falas e que a tua onda não é a deles.
Quando eram pequenos tu eras o mundo deles, agora não te querem no mundo deles.
És um adulto mainstream aborrecido e comum, que os envergonhas junto dos seus amigos quando abres a boca e procuras aproximar-te deles com as tuas piadas sem graça.
És o chauffer deles mas pedem-te que os deixes a 100 metros da escola a fim de que o não vejam contigo...a Mãe!...E professora... e todos sabemos como, nos tempos que correm, ser professor se confunde com a base da cadeia alimentar...Não recomendável!
À beira dos 50 anos, a ficar quase velha mas sem ser velha, não suficientemente velha para que parem de implicar contigo porque envelheces. Observam as rugas do teu rosto, as peles dos teus braços e a qualidade das tuas mamas e pensam:
" Ai coitada, calha a todos, era tão gira, quem a viu e quem a vê, que pele tão maltratada, um hidratante pelo menos, quer dizer, incrível como as pessoas se tornam tão desmazeladas!
Ou seja, andaste todo este tempo a melhorar em conhecimento e sabedoria, a aperfeicoar-te enquanto ser humano, a separar o acessório do que importa, para que, no fim, o que conte é que foste mais gira do que és agora. E tu sabes que, para eles, tudo não passa de uma tentativa deprimente, de esquecerem o seu próprio envelhecimento.
Mas aos 50 anos marimbas-te para o que de ti dizem, as rugas são tuas, as peles também, a celulite demorou muito tempo a apurar... ignoras e ignorar é um privilégio teu!
Gostas de ti e pronto, à beira dos 50, ex obsessivo.compulsiva, hipocondriaca envergonhada, 3 filhos indisponíveis e arruinada.
Que currículo extraordinário!
Há quem o faça no ano novo, com a promessa de um novo recomeço.
Há quem o faça sem promessas, simplesmente pensar na vida.
Eu penso, penso muito!
Quando tinha vinte anos pensava que ia morrer antes dos trinta.
Aos oito anos tinha a certeza absoluta que não ia chegar aos nove. Nunca tinha beijado um rapaz na boca, os beijos que dava ao espelho, que o deixava todo embaciado e babado, não me satisfaziam.
Não ia ter bebés!
Não ia fazer todas as coisa que os adultos fazem! Que imbecil!
Passada a barreira dos nove, estive uns anos ocupada a crescer saudável, a dar cabo do juizo dos meus pais, até que aos 17 anos me deu forte maluqueira: agora é que ia ser, que iria morrer de uma forma horrível.
Desenvolvi um gosto obsessivo por ligar e desligar interruptores de luz, acertar os livros nas estantes por tamanhos e emparelhar os pares de sapatos por texturas e cores.
Saia de casa e entrava em casa uma dúzia de vezes para me convencer que a luz da casa de banho estava desligada e que a porta do frigorífico não tinha ficado encostada; um alien, quem sabe, um monstro, podia andar a brincar às escondidas comigo!
Tinha desafios mentais do tipo - se não conseguir ligar e desligar a luz 5x em 5 segundos, morro!.
Tornei-me intima da psicóloga que me punha a desenhar o meu " Eu" de olhos fechados e a fazer joguinhos para travar os meus ímpetos obsessivos.
Tinha várias doenças físicas gravíssimas...todas na minha cabeça.
Fazia filmes diários: a pontadinha nas costelas? Iminência de um ataque cardíaco fulminante. Dor na base da coluna? Cancro ósseo. Mau estar no estômago? Aneurisma abdominal.
As desgraças estavam sempre, prestes a acontecer-me, contradizendo os vulgares mortais que vivem ignorantes, certos que as desgraças só acontecem aos outros.
Não, a mim a doença não me apanhava desprevenida.
E os ataques de ansiedade?
Que experiência poderosa! Poderosa e dispensável, antes um par de estalos nas ventas.
Aquele frio subito que sobe pela espinha, que te acelera a respiração até parecer que te saem os bofes pela boca e o coração pelas orelhas.
Um panicoso consegue reconhecer outro panicoso à distância, já todos se humilharam com cenas deploráveis à porta dos hospitais.
Figuras tristes!
Certo, certo é que chegas aos 30, passas os 40 e chegas quase, quase, aos 50...viva!
Depois pensas:
" Aos 50 já te vai faltando o tempo, não é, a margem agora está a ficar curta, afinal se calhar até tinhas razão!"
Estão a ver a lógica torcida? É que a cabeça não pára!
Chegas lá, aos 40, dizem-te que estás no teu auge, que agora é que aprecias a vida devidamente. Que agora é que estás madura sem teres perdido a frescura?!
Pffff!
Com uma cabeça que não pára, a conta bancária à mingua, o cabelo a esbranquiçar, a pele do pescoço a parecer o de uma galinha depenada?!
Acrescenta aí, os filhos...adolescentes!
Que farejam o frigorífico de 10 em 10 minutos a ver se o génio que vive lá dentro repôs o stock, deixam esqueletos de maças debaixo do sofá e as cuecas selada penduradas, do avesso, no cesto de roupa suja.
Que dizem que não percebem nada do que falas e que a tua onda não é a deles.
Quando eram pequenos tu eras o mundo deles, agora não te querem no mundo deles.
És um adulto mainstream aborrecido e comum, que os envergonhas junto dos seus amigos quando abres a boca e procuras aproximar-te deles com as tuas piadas sem graça.
És o chauffer deles mas pedem-te que os deixes a 100 metros da escola a fim de que o não vejam contigo...a Mãe!...E professora... e todos sabemos como, nos tempos que correm, ser professor se confunde com a base da cadeia alimentar...Não recomendável!
À beira dos 50 anos, a ficar quase velha mas sem ser velha, não suficientemente velha para que parem de implicar contigo porque envelheces. Observam as rugas do teu rosto, as peles dos teus braços e a qualidade das tuas mamas e pensam:
" Ai coitada, calha a todos, era tão gira, quem a viu e quem a vê, que pele tão maltratada, um hidratante pelo menos, quer dizer, incrível como as pessoas se tornam tão desmazeladas!
Ou seja, andaste todo este tempo a melhorar em conhecimento e sabedoria, a aperfeicoar-te enquanto ser humano, a separar o acessório do que importa, para que, no fim, o que conte é que foste mais gira do que és agora. E tu sabes que, para eles, tudo não passa de uma tentativa deprimente, de esquecerem o seu próprio envelhecimento.
Mas aos 50 anos marimbas-te para o que de ti dizem, as rugas são tuas, as peles também, a celulite demorou muito tempo a apurar... ignoras e ignorar é um privilégio teu!
Gostas de ti e pronto, à beira dos 50, ex obsessivo.compulsiva, hipocondriaca envergonhada, 3 filhos indisponíveis e arruinada.
Que currículo extraordinário!
Éeeee... Muito bom!!!!
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