Nada como as idas matinais para a
escola, pela estrada das freguesias, até São Sebastião para me assaltar todo o
tipo de pensamentos, de tal forma que chegando ao destino não dei conta do
percurso que fiz. Assusto-me um pouco porque de tão absorta que estava, imagino
que, havendo algo a surgir na estrada, me encontro desprevenida para reagir.
Quero acreditar que não, que o grau de abstração não é o suficiente para deixar
os sentidos embotados aos sinais de perigo. E assim vou pensando, os carros
passando e eu no meu caminho. E isso é o que faz o comum das mulheres, quando
conduz vai pensando noutras coisas, utiliza o tempo inutil de partir do ponto A
para o ponto B para avançar no que tem que fazer mais tarde ou mesmo pensar na
vida! Toda a mulher gosta de pensar na vida quando conduz!
O homem quando conduz não pensa na vida, n
pensa porque, ao contrario da mulher, leva o acto de condução muito a sério, o
homem quando conduz, socializa! É tão importante para ele conduzir como estar
no café: cumprimenta, faz sinais de luzes, identifica as carrinhas de caixa
aberta que vêm lá ao longe como a do João ou do António, repara em quantas
pessoas se encontram no carro do Joaquim e comenta que a pendura do carro do
Filipe não é a mesma da semana anterior; abre os vidros desabridamente e manda
bocas pela rua da Sé abaixo! Conduz com alegria e sente-se verdadeiramente
homem; ostenta a sua masculinidade conduzindo mercedes, audis ou BMW, se
baixinho e careca é como te tivesse crescido 30 centimetros e tivesse mais
cabelo que o Carlos do Carmo; se se fica por chassos velhos, quita-os todos e
põe musica pulsante de colunas em cada esquina, que o efeito eufórico é o
mesmo; não precisa de estimulantes artificiais, basta-lhe entrar no carro,
transforma-se, no carro é senhor, é todo dele, não é como em casa em que só
domina o comando da televisão. Torna-se absurdamente higiénico, mantém o carro
num brinco, pode ter, em casa, as cuecas
sujas acabadas de tirar, lançadas para a
gaveta das meias e no entanto
indispõe-se se, um resquicio de pó lhe altera o brilho imaculado do tablier.
A mulher usa o carro como um meio para chegar a um fim, normalmente
utiliza-o como caixote do lixo fora de casa. Ter que cuidar do carro é um
esforço extra do qual não entende a utilidade. O homem tem o carro como um fim
em si mesmo. É uma extensão de si, não concebe a vida sem ele, tê-lo desprezado
e sujo é uma afronta, é como se não cuidasse de si. Mas entre escolher um bom
shampoo para si ou o novo abrilhantador de plásticos, não hesita. Lava o carro
primeiro por fora e depois aspira-o, porque para ele o seu carro tem que
parecer… já a mulher limpa primeiro o interior porque, sente, quando o lixo
atabulhado é tanto que não consegue achar a mala, que está na hora de avançar
para esse processo doloroso. Por fora, não há pré-lavagens nem vassouras com
sabão, se puder lavar o carro com duas moedas de 50 centimos, já sente que
gastou muito dinheiro. Se sobrar sabão espalhado pela capota, pensa que as probabilidades
de que chova, são elevadas e resolve-se o problema com manha. Seguindo a mesma
linha de raciocínio, os limpa pára brisas só são enchidos de água quando vão à
revisão e isto depois de terem passado mais 5000 km do que o mecânico
aconselhou. Vai-se à revisão sim, mas sempre contrariadas e para elas gastar
dez euros em gasolina é como uma facada no coração. Quanto a eles, enchem logo o deposito, são
previdentes e avisados, e têm sempre um jerican na parte de trás, nunca se
sabe, elas se tiverem o triangulo e souberem montá-lo já é uma vitória. Eles
veneram o carro, elas toleram o carro. É só neste departamento que elas toleram
o desmazelo, mais, incentivam-no. E sentem um certo orgulho em admiti-lo! É
estranho!
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